Meu amigo Maurício Hu, que escreve muito bem e sempre tem ideias geniais, enviou esta contribuição. Muito agradecido, Grande Maurício!
Maurício Hu
Mirinho sorvia devagar a pinga no copo, pensando em nada, ou quase nada, pois nunca que alguém já disse no passado que quando se bebia uma cachaça deveria se pensar em algo que não a própria, descendo, arranhando um pouco a goela, para afinal se encontrar no estômago e dar aquele início de queimadura que some logo em seguida, quando a língua estala e pede mais um gole da marvada.
Mas Mirinho pensou. Lembrou de algo que viu na TV de Rosmarino, aquele metido que até TV tinha em casa, embora a imagem fosse tão ruim que quase que só o som se salvava. Pensou alto falando para o copo
– A gente tinha que fazer um épiau aqui.
Pensou tão alto que os outros ouviram, e com a natural falta de novidade tão comum em bodega depois das habituais discussões sobre política, futebol, mulher e côrno, aquilo caia como mel nos ansiosos ouvidos dos freqüentadores habituais do bolicho do Antônio, o famigerado Pé N’água. Não que ficasse na beira do rio, esse estava a quase um quilômetro, mas mais devido às goteiras que Toninho nunca resolvia, preferindo secar as poças entre as mesas depois da chuva.
– Piau? Toninho, tem piau pra fritar? – perguntou Saborá.
– Tem não, só traíra.
Mirinho levantou os olhos do copo, indignado com a ignorância presente:
– Não é piau, é épiau.
– Épiau? Quéisso? – perguntou Rogério, sentado na primeira mesa, a única que tinha vista para o mato lá fora.
Altamirando respirou fundo, afinal não dava para conviver com gente tão mal informada, mas fazendo pose disse a todos:
– Épiau é quando as pessoas na cidade grande se reúne tudo no bar, à tarde, pra bebê e comê tira gosto.
Depois de poucos segundos de olhar bêsta, Saborá pergunta:
– E eles come piau frito?
O murmúrio corria nas mesas, afinal, onde é que eles iam pescar piau naquela cidade que tinha só um rio imundo que quase nem água tinha. Seu Alfredo disse, fazendo a todos rirem:
– Naquele rio dêles lá, só se for piau já comido.
Não durou muito a alegria, pois lembraram que também se podia comprar piau no mercado, e que lá na cidade grande o mercado deveria ser muito bem abastecido, com peixe de toda qualidade, desde lambari e mandi até pintado e dourado.
Mas Mirinho não agüentou de novo e disse:
– Mas cês são muito tonto, eles não come só piau, come tira gosto, mandioca, carne, coxinha, coisa assim. E todo mundo bebe, canta, conversa, fala di tudo. Despois, todo mundo junta e divide a dispesa no final, é assim o épiau.
O murmúrio ficou mais forte, que eita povo que sabe se divertir nessa cidade grande, que neste confim todo mundo só discute política, futebol, mulher e côrno.
– Ora – disse Saborá – vamo fazê o nosso também. Cada um dá um pouco e todo mundo bebe e come e toca a conversar.
– Mas num é o que gente faiz todo dia aqui? – Perguntou seu Alfredo.
– Dessa vêis é diferente, dessa veis é épiau. Vamo pôr o dinhêro na mesa, todo mundo.
Meio relutantes, pensando em que enrascada foram se meter nessa conversa esquisita de piau na cidade grande, todos colocaram algumas notas na mesa.
– Toninho, vê pinga e uma porção de piau pra todos nóis.
– Só tem traíra.
– Ora, vê traíra então.
Toninho olhou o dinheiro na mesa e apontou para a placa que dizia “Fiado só Amanhã”. O dinheiro não dava.
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Estou gostando muito desse Blog, não somente pelos belíssimos relatos tirados do grande baú que nosso amigo Bomediano o mantinha para reviver sua mocidade quando iniciou a vida aventureira ao meio ambiente, assim como está fazendo e trazendo o Grande Mauricio com os mais belos contos e causos que me faz igualmente viajar e ficar com os amigos de pescarias noturnas em volta da fogueira proseando velhas passagens que nos levavam as gargalhadas. Parabéns HU e obrigado Bome por nos permitir essa continuidade de leitura.
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