Reflexões

Meu amigo Maurício Hu, que escreve muito bem e sempre tem ideias geniais, enviou esta contribuição. Muito agradecido, Grande Maurício!

Maurício Hu

O peixe lutou o quanto pôde, mas o oxigênio começou a faltar em seus músculos, e já não mais conseguia levar a linha como no início. O anzol estava firme em sua mandíbula e tudo indicava que o fim do combate estava próximo. Pranchava agora, exausto, os opérculos abrindo e fechando de forma irregular como a procurar mais água, mas os dedos do pescador firmando-se em seu queixo e o levantando, não sem certa dificuldade pois era peixe de porte, deram fim à luta. Mas não ao que se seguiu:
– Você venceu! – disse o peixe, ainda resfolegando.
– Como? – retrucou o pescador.
– Disse que você venceu!
– Sem dúvida. Sem dúvida.
– Seja rápido, por favor.
– Não se preocupe. Vou soltá-lo.
– Isso não muda as coisas.
– Como assim?
– Não muda o fato de que gostou de me ver sofrer, de sentir meu desespero.
– Mas vou soltá-lo!
– Sim, mas ainda é um ato de um ser sádico.
– Como assim?
– Irá me soltar apenas para que eu continue vivo e possa, mais uma vez sofrer de novo na linha sua ou de outro. Ou, apenas para que eu procrie e gere novos peixes para serem pescados e agoniados. É um ato egoísta, de uma forma ou de outra.
– Mas você faz parte da natureza, é um ato de conservação, de amor.
– No fundo, é um ato de preservação do próprio prazer e satisfação. É um ato egoísta.
– Então, o que deveria fazer?
– Isso é com você. Você é o predador. Solte-me ou mate-me. Mas não deixará de ser o que é, não importa o que escolha. Fosse realmente um ser inofensivo, nem cogitaria de torturar outro. Mas não é assim. Tem uma moral distorcida às conveniências de sua própria espécie, vítima de sua própria natureza. Sempre foi assim.
– E o que devo fazer?
– Ou abdica totalmente de sua natureza, ou a assume. Não há outra opção que permita manter a própria dignidade.
– Então devo matá-lo?
– Não importa o que faça, deve fazê-lo consciente. Soube que sou muito bom assado. Peço apenas que se certifique que estou mesmo morto, antes de estripar.
– Dignidade…
As escamas do peixe brilhavam na água clara. O pescador mantinha o peixe na água ainda preso pela mandíbula, enquanto observava um martim pescador mergulhar e sair com um pequeno peixe no bico. A tarde iniciava seu fim e o sol tingia as nuvens de um tom róseo e amarelado.

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