Meu amigo Maurício Hu, que escreve muito bem e sempre tem ideias geniais, enviou esta contribuição. Muito agradecido, Grande Maurício!
Maurício Hu
Sim, meus amigos. Nada como um dia de pescaria. O sol. O mar. Os peixes. A volta para casa, com aquele sorriso estampado no rosto, todos cansados, bronzeados, mas todos felizes por mais um dia de lazer e amizade.
E voltamos loucos para contar às nossas caras metade como foram os peixes, os combates do dia. E elas perceberem, pelo bafo de cerveja, que os combates foram realmente memoráveis. E depois, na segunda, apoquentar os amigos que não pescam, com aquelas fotos posadas só para que os invejosos fiquem fazendo gracinha com as nossas supostas verdades.
Não sabem de nada. Sim, repito, nada como um dia de pescaria para se compreender mais um pouco os mistérios desta natureza maravilhosa. Eu mesmo não sabia de nada. Fui levado a isso. E foi o que aconteceu, naquele sábado. Pois vejam bem que naquela quinta, o Ronaldo, um dos poucos no serviço que gostam de pescar disse para mim, durante a café:
– Vamos nessa, o cara aluga o barco bem baratinho. Já vai muita gente. Daqui a pouco fica lotado e aí…
Fez um sinal de “e aí…”, no parecer dele. Sim, disse eu, claro. Onde já se viu enjeitar um convite desses. Nunca tinha pescado antes. Pouco antes tínhamos contado vantagem sobre futebol e mulheres e fui no embalo. Achei melhor eles não saberem desse detalhe. Perguntei da isca, bebidas, material.
– Não se preocupe. O pessoal vai levar. Leve só as bebidas.
Foi o que fiz. Só as cervejas. Nos encontramos no cais, com seus ruídos típicos, aquele vai e vem de velhos homens do mar, um lugar que mereceria uma aquarela. Mas como não havia levado nem uma caixa de lápis de cor, procurei nossa nau.
Quando chegamos, vimos o barco que estava para ser alugado bem baratinho. Creio que estávamos pagando muito, o preço deveria ser o bastante para comprar o barco, no estado. Brinquei com o encarregado da Marina, um marinheiro forte, encostado no cordame e fumando charuto. Perguntei quanto ele queria pelo iate. Seus olhos brilharam naquele momento. Eu poderia não estar brincando.
Uma multidão apareceu rápido para ver o negócio, mas nesse momento o comandante apareceu, com sua perna de pau, o tapa olho e um papagaio no ombro. Todos desapareceram como por encanto.
– Imbecil! Imbecil! – disse o louro.
Umm, pensei. Muito esquisito. O tapa olho tinha propaganda do PFL. Ia comentar algo mas resolvi ficar calado. O Ronaldo me cutucou. Entendi. Fingi que arrumava minha térmica enquanto assobiava.
– Ainda bem que ficou calado. Eu tenho muita experiência nessas pescarias. Na última em que fiz um comentário ao capitão do barco, nada demais, apenas que o sutiã estava aparecendo debaixo da camisa, tive que voltar rebocado. Por sorte os tubarões não estavam mordendo.
Resolvi ser simpático. Disse para o capitão:
– Bom dia, chefe. Será que vai dar peixe?
Ele parou o que ia fazer e me olhou friamente de alto a baixo. Senti que tinha feito muito bem em trazer o colete salva vidas. Mas ele apenas resmungou, cuspiu no convés e entrou rindo na cabina.
– Imbecil! Imbecil! – gritou o louro.
Sim, ele estava feliz. Deveria ser um bom sinal.
– Não se preocupe com o capitão – disse o imediato. – Ele não está nos seus melhores dias – falou, piscando para mim de modo estranho – a propósito, iscas para anchova – disse , abrindo o sobretudo e mostrando a maior coleção que já vi de peixes de plástico – faço barato.
O capitão subiu no castelo e fez um sinal para nós. Pegamos as tralhas e incontinenti entramos na belonave. Soltas as amarras e aos gritos dele, que ameaçava os céus com suas pragas e o imediato de pô-lo a ferros se o motor não pegasse, zarpamos, como se diz no mar. Depois de um rastro de fumaça que escondeu o porto, o motor pegou.
Foi quando notamos que metade da turma tinha ficado em terra, fazendo tchauzinho para gente e voltando para os carros. Covardes. É certo que o barco não era lá essas coisas, mas afinal, até parece que o Ronaldo ia pôr a gente numa barca furada.
– Capitão, o casco está fazendo água – gritou o imediato, do porão.
– Ponha sabão nas frestas, imbecil – gritou o capitão no leme.
– Imbecil, imbecil – repetiu o louro.
Ficamos eu, Ronaldo, o sogro dele e seu cunhado, além de mais alguns que eu não conhecia. Seu sogro, figura muito alegre e divertida, seria a simpatia do dia não tivesse pulado rápido na água aos gritos de – “Me esperem!” quando o barco adernou um pouco na partida.
Bem, nem todos possuem o espírito necessário a uma pescaria. Sempre é necessário um certo sacrifício antes do prazer, já dizia o Marquês de Sade. Fizemos sinal de censura um para o outro, enquanto ele me armava um caniço. Nesse momento ouvi um ronco alto e contínuo.
Apurei o ouvido pensando em algum problema com o motor, mas era apenas o cunhado de Ronaldo arrotando. Não sabia se o homem tinha levado algum material de pesca, além dos cinco isopores de cerveja. Perguntei isso a ele, enquanto abria a trigésima lata. Um arroto alto e contínuo foi a minha resposta. Brincalhão.
Não importava, se ele quisesse poderia usar algum material de reserva do Ronaldo, já que pesca sempre é uma demonstração de companheirismo e congraçamento.
Começamos a pescaria assim que chegamos no ponto certo, de acordo com o capitão e com os gritos do imediato de que a hélice se soltou. Devia ser brincadeira, essa gente do mar…
O marinheiro soltou a âncora ali, que levou trinta metros de cabo e junto com ele a argola e a madeira onde estava presa, abrindo um rombo no casco. O homem deu de ombros para o capitão, depois do olhar fulminante que levou.
– Imbecil! Imbecil! – gritava o louro.
O capitão deu de ombros para ele, depois das vintes chibatadas a que o condenou. Ajudamos todos a contar, afinal, era natural uma certa disciplina em um barco.
Sim, meus amigos, a pesca. O sol. O mar. Sentia-me como um velho marinheiro, partindo para terras estranhas. O velho mar. O mar. O mar. O mar? O mar! Já começava a sentir o mar em meu estômago. Ia comentar isso a Ronaldo, quando ouvi um ruído típico de algo sendo despejado na água, o que me inspirou a largar o caniço e ir dar uma volta pelo convés. Era uma chance de conhecer melhor meus companheiros, que mal tinha cumprimentado no embarque. Comecei pelo mais próximo.
Era uma figura sui gêneris, com aqueles óculos escuríssimos. As apresentações de praxe comentando o tempo e tive uma surpresa em saber que o colega era cego!
– Sim, amigo. Sou cego. Mas isso não impede, é claro, que eu possa pescar. E para isso, tenho um amigo sensacional, que sempre me acompanha. Ele monta o equipamento, até coloca a isca para mim. Sim, se não fosse ele… É uma pessoa sensacional, se importando com um cego assim…
As lágrimas me vieram aos olhos. Sim, isso é que era amizade pura, algo que, repito mais uma vez, só se encontra neste esporte. Nem tive coragem de dizer que sua camisa estava do avesso, seu colete salva vidas era uma bóia de pato e que estava usando uma abobrinha de isca. O rapaz ao lado, quase sufocado em segurar o riso deveria ser o seu amigo.
Acho que esse não gostava de pescar, mas sempre se encontra gente divertida nessas saídas. Continuei pela borda. Alguns estavam tirando alguns peixes menores disputando com as gaivotas um grande cardume que boiava de barriga para cima. Outros acendiam velas e faziam oferendas. O imediato passou por mim:
– Pssst – disse ele, abrindo novamente o sobretudo – iscas para espada. Duas pelo preço de uma…
O último estava na proa, olhava para a água com grande atenção enquanto segurava um arpão. Técnica estranha. Gritou para o capitão:
– Ahab, mais para a esquerda!
Achei melhor não incomodar a concentração. Voltei para o meu lugar. Tinha tropeçado em algo e ao me voltar vi que na verdade era o cunhado do Ronaldo, tirando uma soneca no tombadilho. Sim, o ar do mar costuma fazer isso. Coitado, ia perder a pescaria. Tropecei nas latas vazias. Deste lado do barco divertiam-se com um cardume de alguma coisa.
– Peguei um 42. Agora já tenho dois pares, e você?
Voltei para o meu canto. O imediato estava de costas quando passei. Me virei com o psiu:
– Ei… iscas para serra.
Ronaldo estava bem melhor agora e me ofereceu um sanduíche de mortadela, picles, tomate e creme de leite. Argh. Tomates. Que coisa horrível. Recusei. Não sei como tem gente que consegue comer essas coisas. Fiquei só com o creme de leite e os picles.
Ele me contou que logo após eu sair começou a dar peixe, me mostrando a caixa de bacalhau que tirou da água. Será que ele cevou? O imediato passou por nós com um tabuleiro preso à cintura. Comprei duas empadinhas.
– Leve de camarão. Dá uma ceva melhor – disse ele.
Esses marinheiros… Começava a preparar de novo a linha quando ouvi o grito do marinheiro no porão:
– Capitão, o casco está fazendo água. E acabou o sabão. O motor também não está funcionando. Estamos sem gerador. A bússola ficou maluca. O rádio está pifado. Acabou o orégano na cozinha.
O homem saiu da cabine e imponentemente deu ordens a todos:
– Saco, sem orégano de novo…Bem, já que é assim, tenho poder para requisitar todos os braços válidos nesta nau. Atenção, bastardos! Ouçam o que vamos fazer…
– Imbecis! Imbecis! – repetia o louro.
Enquanto remávamos, o imediato foi encarregado de nos incentivar com o chicote. As costas do cego pareciam ser as mais procuradas para a injeção de ânimo. Como até chegarmos ao píer levaria algum tempo, conversávamos animadamente, entre um estalo e outro. E refletia que a pesca não era apenas um momento de lazer inocente, sendo mais que isso.
Amizade, competição, uma prova de que os esportes podem e devem nos aproximar mais da natureza. Combinávamos quando faríamos a próxima aventura, onde combates memoráveis seriam travados com peixes fenomenais, que com certeza escapariam no último segundo, deixando os seus captores admirados com a combatividade dos membros aquáticos dessa incrível natureza. Mas isso depois que as costas cicatrizassem, claro.
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